sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Padre Antônio, por Gustavo Corção




 
Numa cidadezinha perdida e esquecida, lá nos confins deste tão imenso Brasil, existe uma igreja quase sem existir. Em torno, mil ou duas mil almas mais ou menos desalmadas; dentro, um velho vigário a fazer contas intermináveis, e um padre coadjutor, na sacristia, a olhar o morro, a linha férrea lá longe, o rio, talvez o céu.

Já traz cinzas na cabeça e uma curvatura nas costas, mas naquele momento o que mais lhe pesa é a solidão que cerca a velhice que se aproxima. Está ali. Não é nada. Não sente forças para fazer nada pela vila indiferente que quer viver sua vida rotineiramente encaminhada para a morte. Sente-se inútil a mais não poder. Quer que ele celebre a única missa da féria, e com uma só porta apenas entreaberta. Precaução aliás inútil porque ninguém mais aparece nas missas dos dias da semana. O povo não gostou quando o vigário tirou os santos que há mais de cem anos povoavam a velha igrejinha. Diminuiu a assistência à missa, diminuíram as confissões. A conversa com o vigário, na hora do jantar, reduz-se a monossílabos.

Padre Antônio torna a pensar nas coisas que se perderam: a água benta, a oração do terço à noite, os santinhos que dava aos moleques na rua com magnanimidade, e tudo o mais que fazia companhia, que cercava a alma da gente nas igrejinhas da roça. Por que esta devastação? O vigário não gosta de abordar o assunto. Sofre a seu modo, com a tenacidade obtusa dos animais feridos. Cerra os dentes. Não pensa. Não fala. Faz o que o bispo mandou fazer e encerra-se num mutismo quase vegetal. Às vezes parece ter gosto de transmitir seu sofrimento fazendo um outro sofrer. É seu modo de conversar, e quem paga é padre Antônio.

Um dia padre Antônio não encontrou sua velha batina e teve de pedir uma explicação a d. Ana e ao vigário. Explicaram-lhe que estava imprestável. Ganharia nova batina? Não. Clergy-man também é muito caro. Padre Antônio deveria comprar na loja do João Mansur umas calças de lonita e duas camisas esporte. E é com esta roupa pobre que padre Antônio agora se debruça na janela e consulta o infinito. Pobre, pobre padre Antônio. Ele nunca foi propriamente vaidoso e preocupado com a roupa que haveria de vestir, como aconselha Nosso Senhor. Mas essa história da batina doía-lhe ainda como se estivesse em carne viva, como se 1he tivessem arrancado a pele. E o pior é pensar que é com esta roupa por baixo, esta roupa de rua, esta roupa sem bênçãos que deve celebrar a Santa Missa. Disseram-lhe que era mais prático usar uma só alva por cima do traje esporte. E esta alva não era mais daquelas antigas, rendadas e compridas. Padre Antônio não queria as rendas para si, já que era desgracioso e escuro: queria-as para enfeitar o louvor de Deus. Mesmo porque, descontada alguma andorinha, nenhum ser vivo aparecia para assistir ao Sacrifício de nosso Salvador. Nem valia a pena bater a campainha. As novas alvas não têm rendas. São ordinárias e curtas, sim, curtas, porque o importante é aparecerem as calças para todo o mundo ver que o padre é homem, como outro homem qualquer.

Está na hora de preparar a missa da tarde, e padre Antônio sente a tristeza aumentar. Está só. Está só. Não tem com quem falar. Poderá conversar na farmácia com a turma do gamão do Frederico, mas depois a volta para a casa é ainda mais pesada. Poderá perguntar a d. Emília se está melhor do reumatismo, e a d. Maria se o marido já voltou do Rio. Mas não tem ninguém com quem possa falar, com quem possa desabafar, a quem possa explicar a desmedida tristeza de vestir por cima das calças uma alva sem rendas, e a quem possa dizer a saudade que tem da batina preta, a batina bendita em que um dia amortalhara o homem velho para viver em Cristo Nosso Senhor. E não tem ninguém a quem possa perguntar tremendo: «O que é que está acontecendo em nossa Igreja? E o Papa?» Ou então alguém, um irmão, um padre, a quem possa dizer com medida indignação: «Não pode ser! Não pode ser! As portas do inferno não prevalecerão!»

Padre Antônio olhou mais uma vez para o horizonte que a noite já escondia. O mundo começava além daquela serra... O mundo! Padre Antonio curvou a cabeça como um condenado. Estava preso! Estava preso! Abriu então as duas mãos grandes e magras que considerou com triste ternura: um dia elas tinham recebido o poder de consagrar o Pão e o Vinho, e de trazer assim ao mundo, como a Virgem Santíssima, o Corpo de Deus. Mãos grandes, mãos nervosas e escuras, mãos consagradas. Ao menos esta pele não lhe arrancam, esta marca não lhe tiram.

Num desamparo infinito padre Antônio contemplava as duas mãos frementes, tão poderosas e tão inúteis. Turvava-se o espírito, vacilava a razão e a fé. Estão ali as mãos. E o resto. E a água benta? o Latim? as coisas da Igreja? As palmas inúteis não respondiam às suas indagações, e até pareciam pedir-lhe uma resolução, uma decisão, já que a mão foi feita mais para fazer do que para pensar... O que é isto? O que é isto nas palmas das mãos? Estará chovendo? Padre Antônio, padre Antônio, o senhor está chorando. Quem foi que falou? Ninguém. Ninguém. É o próprio padre Antônio que tomou o costume de falar com o padre Antônio.

Juntam-se as mãos. E das profundezas dos abismos que todos trazemos, mesmo debaixo de uma camisa esporte, subiu um clamor de aflição: «Usquequo exaltabitur inimicus meus super me? Respice et exaudi me! Respice et exaudi me! Respice et exaudi me, Domine Deus meus...».

E então, neste momento infinito, padre Antônio teve a incomparável certeza de que não estava só.

FONTE: Permanência

O Segredo Admirável do Santíssimo Rosário (I)




Caros leitores: se praticais e divulgais esta prática, aprendereis por própria experiência, melhor que em qualquer livro, e experimentareis felizmente o efeito das promessas feitas pela Santíssima Virgem a São Domingos e ao Bem-aventurado Alano de la Roche e a todos que façam florescer esta devoção que é tão grata, que institui os povos nas virtudes de seu Filho e nas suas, inicia na oração mental e conduz à imitação de Jesus Cristo, à frequência dos sacramentos, à prática sólida das virtudes e a toda espécie de boas obras; a ganhar preciosas indulgências, que as pessoas ignoram porque os pregadores desta devoção quando falam sobre elas, contentam-se em fazer um sermão do Rosário à maneira moderna, ainda que só cause muitas vezes admiração e nenhuma instrução. Enfim, contento-me em dizer-lhe, com o Bem-aventurado Alano de la Roche, que o Rosário é o manancial e o depósito de toda espécie de bens.

1º) Os pecadores obtêm o perdão;
2º) As almas sedentas se saciam;
3º) Os que estão atados vêem seus laços desfeitos;
4º) Os que choram encontram alegria;
5º) Os que são tentados encontram tranquilidade;
6º) Os pobres são socorridos;
7º) Os religiosos são reformados;
8º) Os ignorantes instruídos;
9º) Os vivos triunfam da vaidade;
10º) E os mortos são aliviados por meios de sufrágios;


"Quero - disse um dia a Santíssima Virgem ao Bem-aventurado Alano - que os devotos de meu Rosário tenham a graça e a benção de meu Filho durante sua vida, na hora da morte e depois desta, que se vejam livres de toda a espécie de escravidões e que sejam reis, com a coroa sobre sua cabeça, o cetro na mão e tenham a glória eterna". Assim seja.

(O Segredo Admirável do Santíssimo Rosário – São Luiz Maria Grignion de Montfort)
 


FONTE: São Pio V

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Catecismo do Matrimônio.



Lançamento do Mosteiro da Santa Cruz!


Poucos livros são mais necessários do que este nos dias de hoje em que os deveres e as graças do matrimônio são cada vez desconhecidos.


São 135 págs. este catecismo, de perguntas e respostas muito pratico.

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No Altar à Hora Nona. O Silêncio e a Solidão do Gólgota: Assistindo à Missa Tradicional.





Por Antonio Margheriti Mastino

Há duas facetas em particular que nos permitem uma compreensão mais profunda da Missa, especialmente, de acordo com a Forma Extraordinária, que pessoalmente prefiro:  o silêncio e a solidão.  O altar, antes, durante e depois do Sacrifício é coberto em silêncio. E pela solidão: a do celebrante, o “Alter Christus.”

Mas como isso pode acontecer, alguém dirá, uma vez que a Páscoa e, portanto, a celebração são triunfos? Isso é verdade. Mas a celebração da Missa também é a representação da Paixão e Morte de Cristo, que se desenrola no silêncio, na solidão, na traição, na negação e na fuga dos discípulos. Na Última Ceia, Cristo é traído e vendido por Judas. No Jardim das Oliveiras, na noite antes de sua morte, Cristo é deixado sozinho para suar sangue, enquanto seus discípulos dormem em vez de orar com ele, a única coisa que ele lhes havia pedido. Naquela mesma noite, Pedro o nega três vezes. Ninguém tenta salvá-lo, ninguém se oferece para suportar o peso de sua cruz, mesmo por pouco tempo (o Cireneu foi forçado a fazê-lo).  Ninguém parece conhecê-lo ou reconhecê-lo.

Cristo, em um momento de verdadeira dor humana, clama em voz alta ao seu Deus, ao Abba, o abismo de miséria e solidão em que mergulha em silêncio. “Solidão”. A mesma solidão que o sacerdote, o Alter Christus, experimenta nesse momento no altar do Sumo Sacrifício, o Gólgota renovado, onde, de um modo real e mais uma vez a Paixão de Cristo irrompe. O sacerdote está sozinho no altar.  E a esta solidão soma-se a sombra protetora da solidão: silêncio. Na colina desolada do Gólgota, primeiro no Jardim e em seguida assim como no túmulo, Cristo está sozinho e em silêncio: o silêncio de sua obediência, do cálice de amarga aflição, o suor misturado com sangue.  E este é o silêncio da impotência, uma impotência que por um momento parece até mesmo a de Deus.  “Meu Pai, Abba, por que me abandonaste?” O “silêncio” de Deus, neste momento quando a onda do abismo está quebrando sobre Cristo, parece quase como o naufrágio da Divindade no nada.

Sete últimas palavras de Jesus na Cruz: Sétima Palavra.



Sétima palavra de Jesus Cristo na cruz:

Pater, in manus tuas commendo spiritum meum
“Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito”
(Luc. 23, 46).


I. Diz Eutíquio que Jesus soltou esse grande brado para dar a entender a todos que era verdadeiramente o Filho de Deus, visto que chamava Deus de seu Pai. Mas, São João Crisóstomo diz que Jesus bradou em voz alta para tornar patente que não morria por necessidade, mas por sua própria vontade, falando tão alto quanto estava próximo a expirar, o que não podem fazer os agonizantes por causa da grande fraqueza que sentem. — Esta explicação do Santo é mais conforme ao que Jesus Cristo mesmo havia dito em vida, a saber: que pela sua própria vontade sacrificava a vida pelas suas ovelhas e não pela vontade e malícia de seus inimigos: Et animam meam pono pro ovibus meis... Nemo tollit eam a me, sed ergo pono eam a meipso (1).

Acrescenta Santo Atanásio que Jesus Cristo, recomendando-se ao Pai, recomendou-Lhe ao mesmo tempo todos os fiéis que pelos seus merecimentos deviam ser salvos; porquanto a cabeça forma com os membros um só corpo. Pelo que o Santo diz que Jesus entendeu repetir então o pedido feito pouco antes: Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, a fim de que sejam um como nós (2).

É o que fez São Paulo dizer, quando estava na prisão: Patior sed non confundor (3) — Suporto estes sofrimentos, mas não tenho pejo deles, porque depositei o tesouro de meus sofrimentos e de todas as minhas esperanças nas mãos de Jesus Cristo e sei que Ele é grato e fiel para com aqueles que padecem por seu amor. — Se Davi já punha toda a sua esperança no Redentor vindouro, quanto mais não o deveremos fazer nós, visto que Jesus já consumou a nossa redenção? Digamos-Lhe, pois, com grande confiança: In manus tuas commendo spiritum meum; redemisti me, Domine Deus veritatis (4) — “Em tuas mãos encomendo o meu espírito; remiste-me, Senhor Deus da verdade”.

II. Pai, em tuas mãos encomendo o meu espírito. Que conforto trazem estas palavras aos agonizantes contra as tentações do inferno e os temores causados pelos pecados cometidos! — Mas, Jesus, meu Redentor, não quero esperar até a hora de minha morte para Vos encomendar a minha alma; desde já Vô-la encomendo; não permitais que ela ainda se afaste de Vós. Vejo que até agora a vida me tem servido unicamente para Vos ofender; não consintais que no resto de minha vida continue a Vos causar desgostos.

Ó cordeiro de Deus, sacrificado sobre a cruz e morto por meu amor, qual vítima de amor e exausto pelas dores, fazei pelos merecimentos de vossa morte que Vos ame com todo o meu coração e seja todo vosso nos dias que me restam. E, quando chegar o fim de meus dias, deixai-me morrer abrasado em vosso amor. Vós morrestes por meu amor, eu quero morrer por amor vosso. Vós Vos destes todo a mim, eu me consagro todo a Vós. Em vossas mãos, ó Senhor, encomendo o meu espírito; remistes-me, ó Deus da verdade.

Ó Jesus, para minha salvação derramastes todo o vosso sangue, sacrificastes a vossa vida; não permitais que por minha culpa tudo isso seja sem fruto para mim. Meu Jesus, eu Vos amo, e pelos vossos merecimentos espero amar-Vos sempre. In te, Domine, speravi, non confundar in aeternum. — Em vós, Senhor, pus minha esperança; não permitais que eu seja confundido para sempre. Ó Maria, Mãe de Deus, confio também em vossas orações; pedi que eu seja fiel a vosso Filho na vida e na morte. A vós também direi com São Boaventura: In te, Domina, speravi, non confundar in aeternum. — Em vós, Senhora, pus minha esperança; não permitais que eu seja confundido para sempre. Não, minha Senhora, nunca se perdeu quem pôs as suas esperanças em vós, e de certo não serei eu o primeiro. (*I 677)

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1. Io. 10, 15 et 18.
2. Io. 17, 11.
3. 2 Tim. 1, 12
4. Ps. 30, 6.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 238- 240.)

FONTE: São Pio V